sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Outro(s) eu(s)...



Outro de mim nasceu,
Na calçada de uma padaria,
Pela madrugada,
Ecoando o mesmo grito que tenho agora.

Nasceu com data de validade.
Alguns minutos ou anos, talvez,
Fadado à fome, ignorância, desprezo,
Ao extermínio por um sistema que não escolheu.
Enfim, nasceu, por assim dizer, assim como todos os eu(s).

Seu rosto era negro.
Tinha na pele manchas de seus ancestrais,
Máquinas de suor e esperança,
Enfileiras nos braços feitos de carvão úmido.

Rejeitou o ar que recebeu.
Ambicionou um seio materno, não teve;
Desejou um colo, foi negado;
Estava com sono, um tabefe lhe foi ofertado;
Explodiu em febre, ninguém sentiu calor;
Ansiou morrer, obteve sucesso.

Uma senhora que passava, bíblia em punho,
Disse, mesclando aversão e alivio:
“Era só um “negrinho”! Antes ele do que eu...!”


(Roniel Oliveira - 31 de janeiro de 2009)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A simples euforia d'alma
















A melodia
De palma em palma.

É o mel do dia
De alma em alma.

É o fel que ia
E vinha a calma.

(Dayane R. Peixoto)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009


Ilógicos Humanos


Ela era tão bela
Ele era esquelético
Ela fazia planos
Ele queria sobreviver
Ela sonhava em ser modelo
Ele colecionava soldadinhos de chumbo
Ela usava maquiagens caras
Ele tinha uma camisa rasgada de Che Guevara
Ela gostava de opera e jazz
Ele cultuava Sex Pistols.
Ela tinha fazenda e carro
Ele recebia um salário mínimo
Ela sabia inglês e espanhol
Ele se atrapalhava com os porquês
Ela saia à noite pra baladas
Ele via seriados na TV
Ela fumava unzinho para relaxar
Ele tomava aguardente nas quartas-feiras
Ela lia demais
Ele não gostava de Vitor Hugo
Ela amava comida chinesa
Ele não usava perfumes
Ela fazia faculdade
Ele montava quebra-cabeças
Ela gostava de teatro
Ele cheirava a botecos
Ela queria se casar
Ele se escondia do mundo
Ela tinha papai e mamãe
Ele morava num quitinete
Ela se apaixonou por ele
Ele se masturbava olhando-a de sua janela
Ela morreu em um acidente de carro
Ele montou um brechó

A vida tem dessas coisas...!

(Roniel Oliveira)

Réquiem ao Metalinguístico

















Queria um dia nessa vida ser
Aquele cara, que de poeta chamam
Me embriagar na luz da lua e ter
A dor da ida de alguém que ama.

Escorrer nos punhos o prazer das horas
Por em palavras amantes e fragatas
Constantes sonhos sem vício ou demoras
Beijar o mundo voluteando cartas.

Como quem morre, vive, chora e canta
No sangue corre a trova, o verso, o mantra
Vendaval que sopra e nunca descansa.

E se um dia cansa, vem com o vento então
A alma e inspiração do tal que é poeta
Me venha aqui no peito cada réquiem verso

Que nele 'inda resta.

- Poema (27/01/2009) e desenho (08/03/2007) por Dayane R. Peixoto -

sábado, 24 de janeiro de 2009

Esquecimento

Eu aprendi a não existir.
Em meu obscuro recanto,
Porão de ilusões superadas,
Convivo com espíritos expulsos
Por pessoas que me amaram no passado.

Meu leito é gélido como a morte.
Nele repousam almas mortas pelo tempo:
Crianças indefesas e menestréis românticos
Que tombaram de sede no deserto dos sonhos
E cujos gritos não ecoam no vazio.

Relampejos me fazem renascer.
Como um hospede imprudente,
Indigente em salão de nobres festejos,
Permaneço estático no portal do nada.

Eu não tenho mais nome ou face;
Uma mascara de ferro oculta meus olhos.

Eu moro no esquecimento.
Alimento-me de tristezas e noites sem lua.
E se assim permaneço, estátua de pedra e dor,
Foi porque eu mesmo abri as portas de minha casa;
Moradia essa que eu mesmo construí.

(Roniel Oliveira)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Ver (de) sejos

Ei poeta,
Você que grita versejos
Transpõe meus desejos
Carnais no papel.

Transforma então
O frio das horas vagas
O calor das horas pagas
Em encontros mais casuais.

Não me seduza
Através de seus versos
Ou poetise os gestos
Que não falam de amor - dor.

Me venha em doses mais mansas
Lentas e profundas
Mas não dentro das imundas
Garrafas de suas boemias.

Se o faz,
Em prazeres me deleito
Com a tequila me deito
E d(esperto) com o ébrio 'voyer'.

(Dayane Peixoto)